quarta-feira, 1 de julho de 2009

ESCOLA, UMA QUESTÃO DE DESEJO?





Pesquisa divulgada pela Fundação Getulio Vargas aponta a falta de interesse como o principal

motivo da evasão escolar no país.


O jovem olha para o papel, para a lousa, para o professor e não se sente conectado ao universo escolar. O resultado? Desinteresse. Esse foi o maior motivo de abandono dos bancos escolares segundo a pesquisa "Motivos da evasão escolar", realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e divulgada em abril. A falta de interesse representou 40,3% das justificativas dadas pelos jovens, entre 15 e 17 anos, para deixar de lado os estudos, ficando à frente até mesmo da necessidade de trabalhar para ajudar a família (que foi de 27,1%). O estudo cruzou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004 e 2006, além de mencionar também informações da Pesquisa Mensal do Emprego.


Para Carlos Artexes, diretor de concepções e orientações curriculares da Secretaria de Educação Básica do MEC, o resultado da pesquisa não é surpresa: "Temos consciência de que o abandono no ensino médio acontece, principalmente, porque o estudante não encontra significado no estudo", afirma. Para ele, um dos principais motivos para esse cenário é o fato de as pessoas serem muito utilitaristas: "Elas não veem a educação como meio, mas como fim do processo de formação. O que é um grande equívoco", diz. Isso, na sua visão, não redime as instituições de ensino de culpa: "A escola também precisa se aproximar dos sujeitos reais e atualizar seu conhecimento. É preciso garantir a essência da escola, que é aquisição e democratização dos saberes".


Pela pesquisa, em 2006, 2,7% das crianças e adolescente entre 10 e 14 anos estavam fora da escola, índice que subia para 17,8% na faixa entre 15 e 17 anos, a faixa etária do ensino médio. Foi para se aproximar dos alunos de carne e osso, como sugeriu Artexes, que a professora de educação física Luci Beatriz Zelada Duartes iniciou trabalho pessoal de combate à evasão escolar em 1997, que depois foi encampado pela Secretaria Municipal de Educação de Santa Maria (RS).


Com sua motocicleta, passou a visitar alguns de seus alunos evadidos. Além da necessidade de trabalhar, da grande distância entre a casa e a escola, entre outros, o desinteresse já era apontado com frequência como motivo para a evasão. Em conjunto com pais, professores, conselhos tutelares, o projeto ganhou corpo e longevidade, estendendo-se até 2006. A atual gestão municipal pretende retomá-lo ainda neste ano.


Para incentivá-los a voltar a estudar, ofertou-se aos jovens um conjunto de atividades extracurriculares, como aulas de canoagem, futebol, além da oportunidade de se inscrever como aprendizes em empresas da região. Para frequentar as atividades, o aluno não poderia faltar às aulas. Além desse empurrãozinho, houve outra mudança importante, na avaliação de Luci: "Conseguimos que os professores se comprometessem a mudar a aula convencional por uma mais atrativa", conta. Até salas temáticas foram criadas para apoiar os docentes. "É preciso criar novidades sempre e ter o compromisso de se adaptar ao habitat do aluno", conta.


"A escola não está inserida na realidade do aluno", alerta a assistente social Andréa Gomes Leite, que, no outro extremo do país, em Alagoas, também está envolvida em trabalho semelhante ao de Luci. Andréa é coordenadora do Projeto Ficai (Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente), ligado à Secretaria Esta­dual de Educação de Alagoas e idea­lizado pelo Ministério Público daquele estado. O programa abrange todas as escolas do estado e de 36 municípios no combate à evasão e existe desde 2001.Para Andréa, o problema é tão sério que tem gerado outros, como por exemplo um que não apareceu na pesquisa da FGV: a "evasão" de professores. "Os docentes têm pedido cada vez mais licenças. São muitos os pedidos de dispensa. Identificamos que isso é sintoma de falta de entusiasmo", diz.


Obrigação de ser atrativaDiante de um cenário tão adverso, a busca pelo entusiasmo perdido dos dois lados do banco escolar desemboca, às vezes, no exagero. A ponto de alguns educadores almejarem que a escola se transforme tão só num espaço de aulas criativas e de fruição prazerosa - o que pode ser um engano. "A escola também é um lugar de esforço. Estudar dá trabalho, isso não pode ser ignorado", analisa Carlos Artexes, do MEC. "Apoiar-se só no lado lúdico desvia a função social da escola", explica sobre o conceito original da escola, que é de aquisição e democratização dos saberes.


"O ensino de inglês, por exemplo, não tem necessariamente que ser tedioso, mas é difícil torná-la tão interessante quanto o do ciclo do sapo", exemplifica Daniel Willingham, psicólogo cognitivo da Universidade de Virgínia (EUA), que acabou de lançar o livro Why don't students like school? (em tradução literal: Por que os estudantes não gostam da escola?) - ainda sem publicação no Brasil. Ele propõe novas maneiras de pensar a forma de dar aulas.


Por seis anos, Willingham tem respondido a dúvidas de professores americanos. O tema que desperta bastante interesse são dicas e conselhos para fazer o conteúdo atingir em cheio os vários alunos com todos os tipos de percepção. "Qualquer assunto pode ser chato ou interessante, depende de como ele é manuseado. Problemas que não podem ser resolvidos, ou, ao contrário, são fáceis demais não têm graça. Mas um que proponha um desafio plausível - esses as pessoas acham intrigantes. O desafio dos professores é achar maneiras de apresentar aos estudantes problemas que tenham graus corretos de dificuldade para cada aluno", explica, em entrevista à Educação.


O especialista também defende "que aprender a aguardar pelas recompensas - ou seja, fazer algo chato para mais tarde atingir algo prazeroso - é, em parte, uma qualidade". O pensamento é compartilhado com as coordenadoras dos projetos mencionados: nos dois citados, os alunos são estimulados a participar de atividades fora da sala de aula com a condição de não faltar ao curso regular.


Nesse caso, o curso fecha o ciclo se houver, além desse estímulo, também um esforço para mudanças na grade curricular, ou mesmo só um interesse maior por parte do professorado para atingir a totalidade das mentes sob sua orientação.


Texto escrito por Rachel Bonino

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